sexta-feira, 13 de outubro de 2017

DO NÚMERO DE DOCENTES. DE NOVO

Conforme é conhecido, a Comissão Europeia no seu recente relatório de vigilância sobre o período pós-troika avisa, “exige”, que o aumento de professores que se tem vindo a registar “de forma consistente” desde 2015 “tem de contribuir efectivamente para melhorar os resultados da educação. Em texto anterior falei sobre a abusiva, apressada e ligeira relação directa entre “aumento” de professores e “melhoria de resultados” e coloquei a dúvida sobre o “aumento consistente de professores. Algumas notas sobre o número de docentes tendo já em conta a vinculação extraordinária deste ano e a prevista no OGE para 2018.
Em primeiro lugar importa sublinhar que com o argumento pouco sustentável do abaixamento do número de alunos, os dados mostram a inexistência de proporcionalidade, muitos milhares de professores foram empurrados para fora do sistema.
De facto, de acordo com o Relatório “Perfil do Docente” divulgado em 2016 pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência o número de alunos no básico e secundário baixou 6.2%, isto significa menos 92 423 entre 2004 e 2015. Quanto aos professores, no mesmo período abandonaram 42165, 25% dos que estavam em 2004/2005. A saída verificou-se em todos os patamares de ensino mas com maior significado no 3º ciclo e no secundário (40% dos que saíram) quando nos últimos anos a população escolar no secundário até subiu devido ao alargamento da escolaridade obrigatória. Considerando os grupos de docência as assimetrias foram significativas
No ensino público registaram-se 98% dos abandonos, as escolas públicas tiveram quatro vezes mais saídas que os estabelecimentos privados.
Dito de outra maneira temos menos 1 professor por cada 2.1 alunos a menos. Aliás, considerando a redução de postos de trabalho na administração entre 21011 e 2013 o MEC contribuiu com 68% dos empregos extintos.
O menor número de alunos não serve pois de justificação para a enorme sangria que deixou uma classe desvalorizada e envelhecida o que aliás aponta para a necessidade a prazo de alguns milhares de professores devido ao envelhecimento brutal da classe que motivará a saída.
Também deve recordar-se que face a um outro argumento que servia de base às políticas que sofremos, em Portugal nos últimos anos, o rácio entre professores e alunos estava na média europeia, importa considerar variáveis como os modelos de organização dos sistemas, gcargas horárias, funções, etc. influenciam esta leitura.
Na verdade, a maioria dos professores que saíram foi empurrada para fora por um conjunto de dimensões ligadas às políticas educativas dos últimos anos, com José Sócrates e a devastação provocada por Passos Coelho a partir de 2011 com o fundamentalismo austeritário,  cerca de 75% do total de professores que saíram fizeram-no neste período.
A justificação mil vezes repetida esperando que se tornasse verdade assentava na diminuição do número de alunos. Como já tenho referido, parece claro que a questão do número de professores necessário ao funcionamento do sistema é uma matéria bastante complexa que, por isso mesmo, exige serenidade, seriedade, rigor e competência na sua análise e gestão, tudo o que tem faltado nesta matéria.
Para além da questão da demografia escolar que, aliás, a tutela tem tratado de forma incompetente e demagógica, importa não esquecer que existem muitos professores deslocados de funções docentes, boa parte em funções técnicas e administrativas que em muitos casos seriam dispensáveis pois fazem parte de estruturas do Ministério pesadas, burocráticas e ineficazes.
Por outro lado, os modelos de organização e funcionamento das escolas, com uma série infindável de estruturas intermédias e com uma carga insuportável de burocratização, retiram muitas horas docentes ao trabalho dos professores que estão nas escolas.
É neste quadro que deve ser ponderada a interpretação do rácio entre o número de professores e o número de alunos.
No entanto e do meu ponto de vista, a saída dos professores, que nos venderam como estando “em excesso” de professores no sistema deve ser também analisado à luz de medidas das políticas educativas iniciadas ainda no tempo de José Sócrates e fortemente aprofundadas por Passos Coelho. Vejamos alguns exemplos.
Em primeiro lugar, as alterações no número de professores necessário decorre do aumento do número de alunos por turma que, conjugado com a constituição de mega-agrupamentos e agrupamentos ligada ao encerramento de milhares leva que em muitas escolas as turmas funcionem com o número máximo de alunos permitido e, evidentemente, com as implicações negativas que daí decorrem. Esperemos o efeito da anuciada e progressiva redução do  número de alunos por turma
As mudanças curriculares com a eliminação das áreas não curriculares que, carecendo de alterações registe-se, também produziram um desejado e significativo “corte” no número de professores, a que acresceram outras alterações no mesmo sentido.
Por outro lado, verificámos uma forte desvalorização salarial, o aumento da idade da reforma, o congelamento da progressão na carreira variáveis que contribuíram seriamente para o desencanto e partida de milhares de professores.
Acresce a tudo isto o clima e a instabilidade vividas nas escolas, a pressão constante para resultados e burocracia, a falta de apoios, etc.
Temos a tempestade perfeita. A saída destes milhares de professores sairá, gostava de me enganar, muito mais cara do que aquilo que o ME poupará na diminuição do número de docentes. Neste sentido, os processos de vinculação extraordinária que, aliás também correspondem a directivas de Bruxelas relativas à precariedade abusiva de muitos milhares de docentes contratados durante anos para responder a “necessidades transitórias” são um investimento mas também representam uma questão de justiça.
Conhecendo os territórios educativos do nosso país, julgo que faria sentido que os recursos que já estavam no sistema, pelo menos esses e incluindo os contratados com muitos anos de experiência, fossem aproveitados em trabalho de parceria pedagógica, que se permitisse a existência em escolas mais problemáticas de menos alunos por turma ou ainda que se utilizassem em dispositivos de apoio a alunos em dificuldades.
Os estudos e as boas práticas mostram que a presença de dois professores na sala de aula são um excelente contributo para o sucesso na aprendizagem e para a minimização de problemas de comportamento bem como se conhece o efeito do apoio precoce às dificuldades dos alunos. Agora andam a promover-se medidas que sempre lembram a velha imagem da manta.
Sendo justamente estes os dois problemas que mais afectam os nossos alunos, talvez o investimento resultante da presença de dois docentes ou de mais apoios aos alunos, compense os custos posteriores com o insucesso, as medidas remediativas ou, no fim da linha, a exclusão, com todas as consequências conhecidas.
É só fazer contas. As contas certas, claro.

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